domingo, 5 de outubro de 2008

Em 1999 no Sesc Pompéia aconteceu uma série de workshops fotográfico; um deles foi com a fotógrafa Lucia Napchan. O tema escolhido foi "Consciência Ambiental", e o local para realizarmos as fotos foi o aterro Bandeirantes, o local onde o lixo de São Paulo é depositado. São milhares de metros quadrados de resíduos domésticos. Ao rever as fotos, vi que no album havia uma frase anotada na época, que lembro ter sido utilizada na montagem de um mural coletivo. Na época escrevi: O que eu faço com o meu prazer de ontem? Selecionei estas imagens para apresentar e continuar questionando sobre como devemos nos portar, de forma consciente perante o consumo, os usos e os resíduos de nosso consumo.

Mão do lixo (Tiago de Mello)

A mão que eu cato o lixo
Não é a mão com que eu devia ter.
Não tenho para ganhar
Na mesa da minha casa
O pão bom de cada dia.
Como não tenho, aqui estou.
Catando lixo dos outros,
O resto que vira lixo.
Não faz mal se ficou sujo,
Se os urubus beliscaram,
Se ratos roeram pedaços,
Mesmo estragado me serve,
Porque fome não tem luxo.
A mão com que cato o lixo
Não é a que eu devia ter.
Mas a mão que a gente tem
E feita pela nação.
Quando como coisa podre
Depois me torço de dor
Fico pensando: tomara
Que esta dor um dia doa
Nos que tem tanto, mas tanto,
Que transformam pão em lixo
Com meus dedos no monturo
Sinto-me lixo também.
Não pareço, mas sou criança.
Por isso enquanto procuro
Restos de vida no chão,
Uma fome diferente,
Quem sabe é o pão da esperança
Esquenta meu coração:
Que um dia criança nenhuma
Seja mão serva do lixo.

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